segunda-feira, 21 de junho de 2010

Seria demasiada arrogância da minha parte partir do pressuposto que tenho o direito de dizer o quer que seja sobre o assunto. Mas feliz ou infelizmente eu sinto-me no direito, como cidadão, de me prenunciar sobre o que bem entender. Pelo que falar do que está neste momento na boca do mundo ser-me-há tão correcto como outro fazê-lo. Mal soube, passava pouco da uma da tarde, encontrava-me no autocarro trezentos-e-cinco com destino à escola, para acompanhar quem ia fazer exame de desenho, sim porque eu sou simpático e acompanho pessoas a exames, e quando estava já perto da escola recebo uma mensagem : Saramago morreu. O meu primeiro pensamento foi: Goza-me, e foi exactamente isso que escrevi. Era verdade, tinha mesmo acontecido. Há que dizer que apesar de me ter custado imenso pensar nessa situação uma coisa é certa, eu não o conhecia, o que conheço são meia dúzia de entrevistas que vi na televisão e na internet, e cinco livros da sua autoria, que li. O que não me dá o menor direito de dizer que vou sentir falta e que me custa pensar na sua morte. Mas a verdade é que custa, custa-me pensar que já não poderá criar algo novo, o que é uma visão muito egoísta, porque não sofro a morte da pessoa, sofro a morte do génio. Não sei se era boa pessoa ou não, pessoa que deveríamos respeitar ou não, não sei se era simpático, bem disposto, nada, sei um grande nada sobre isso, e não me interessa muito o que tem sido dito nestes últimos dias, porque face à morte todos os que partem são muito bons e só fizeram coisas boas e falar das coisas más é pecado e estamos a difamar o defunto. Lamentavelmente não concordo e acho que devemos sempre dizer a verdade.
Por isso, egoistamente, sinto profundamente a perda deste grande génio, deste senhor que através das palavras nos oferecia as melhores imagens, os melhores sentimentos. Tal como um artista, no sentido pictórico, Saramago explorava, da sua forma, os sentimentos, as ideias, as sensações, as emoções, as imagens de modo a possibilitar-nos a melhor experiência. Era tão artista como Vieira
da Silva ou Picasso, só que era através das palavras. Não me admiro que agora toda a gente goste da sua obra e que goste dele, é típico no ser humano. E lembrar só depois de morrer deve ser quase um mandamento que quase toda a gente segue religiosamente. Sinto, com enorme pesar, a sua morte, sinto que abriu-se uma enorme brecha no núcleo artístico português. Felizmente há sempre um amanhã, e surgirá, espero, uma nova vertente, um novo sopro de ar fresco, e surgirá outro alguém que nos providenciará bons momentos de leitura, não os mesmos, mas outros. Seria impossível oferecer-nos as mesmas sensações, porque nada se repete.

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