terça-feira, 13 de setembro de 2011

os chinelos, velhos coitados repousam ali, naquele escuro e desinteressante canto. já não mais serão calçados - foram substituídos -, contudo a sua vida não foi extinta, permanecem ali e em cada mazela uma história. serão histórias provavelmente que jamais interessarão o mais comum dos mortais, e por essa mesma razão não serei eu o anormal a achar interessante descrever detalhadamente cada uma das histórias preservadas, através de marcas físicas nos pobres restos de tecido. interessa, talvez, mais, a história dos pés que calçaram aqueles chinelos durante estes últimos cinco anos, tempo que os pobres coitados foram usados, mas se não for incómodo eu preferia antes, se calhar, de falar das pernas onde os pés estão adjacentes, ou até mesmo do tronco do corpo, que vergava-se todos os dias para calçar as meias antes de calçar os chinelos, naquele simples e conhecido movimento de enfiar os pés, um de cada vez - por norma-, pelo chinelo adentro, sentindo confortavelmente os dedos a tocar nos limites curvos das pontas dos mesmos. poderia também falar das mãos que  calçavam as meias, pois eram elas que juntamente com o movimento da coluna que executavam a desinteressante, e quase diária, (diária para a maioria, espero), de calçar o par de meias, pretas para alguns, com padrões para outros, desportivas, de vidro ou qualquer outra espécie existente deste tão útil objecto de vestuário.
poderia falar da pessoa, a que possuí estas mãos, tronco, pernas e pés - e obviamente outras partes do corpo que não mencionei - porém a vida (quer física quer psicológica) do ser humano não me interessou desde o inicio, e são sim os chinelos o assunto que gostaria de desenvolver, contar. explicar cada mancha do chinelo esquerdo, aquela parte rota na ponta esquerda do chinelo direito, o rasgão na zona do dedo mindinho desse mesmo chinelo - todos têm justificação, razão de terem existido, e eu recordo-me de todos, Porém não o vou fazer, por que como já o disse ninguém se interessa, e só um anormal acha que isto tem qualquer importância para ser preservado em palavras, por essa mesma razão não será hoje que o farei, espero talvez um dia ter a coragem de não achar anormal interessar-me por uns velhos chinelos.