sábado, 27 de fevereiro de 2010



Caminho, os meus pés não levantam mais do que necessário. É de noite? É de dia? Pouco me importa. Caminho, os meus olhos só vêem o que querem ver. Deve ser um problema que não afecta só a mim, porque andamos todos, sempre, cegos. O meu destino aparece, ao longe, mas continuo a não o ver. Caminho, desorientado. Vou nesta direcção apenas porque necessito de andar para algum lado, não por saber que é por aqui que tenho que ir. Quanto mais ando mais me sinto incompleto, sozinho. As minhas pequenas, ou grandes, como quiserem, alegrias perecem no meio de tanta dúvida e insegurança. Gostaria de ser outra pessoa? Não, definitivamente não, mas não quer dizer que queira ser quem sou, ou melhor que goste de ser quem sou. Continuo a caminhar, continuo a tentar encontrar-me, penso que cada vez é mais fácil, a minha cegueira não é tão impossível de ultrapassar como pensei. Já começo a ter noção de tudo, já sei para onde vou. Já sei quem sou. Saberei? O fim da estrada aproxima-se. Mas eu não estou numa estrada, muito menos num caminho... Estou quieto e sentado, mas é como se não estivesse.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

"Não é o medo da Loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação" , já o dizia André Breton em 1924 aquando do primeiro manifesto surrealista, escrito por ele.
Muitos temem-na, e eu questiono-me por que motivo o fazem. Eu não a temo, eu não tenho medo de enlouquecer, porque se a loucura está em mim não a vou sentir, ou melhor se estou louco a loucura está tão enraizada em tudo o que faço, penso e digo que nem sequer, por escassos minutos, saberei que se trata da loucura e não de outra coisa. Não será como se dum vírus se tratasse, que me estivesse a corroer e eu soubesse. A loucura seria não mais do que um estado de espírito constante, bem mais sortudos, os que a tiverem, do que os que são bipolares, que esses, coitados, de constante nada têm. Ser louco é, acredito, um rótulo, mais um que circula na boca do povo, que o usa e atribui a todos os que se desencaixam do que, para eles, é o normal.
Por não temer a loucura nunca a vou experimentar, pelo menos não em toda a sua extensão.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Hoje, devo ter tido uma das melhores viagens de transporte público de sempre. Não é por acaso que digo que gosto mesmo de chuva, de mau tempo. Esta noite, enquanto esperava pelo autocarro, no hospital São João, pude visualizar uma das coisas que mais me atrai, trovoada e relâmpagos, um clarão que corta com o breu da noite, em tons de azuis, brancos e cinzas. Estes clarões impõem um respeito, à maioria das pessoas, que parece mentira. Para completar, este presente dos céus, quanto viajava, já, no autocarro, ou melhor o autocarro viajava e eu ia nele, começou a cair uma chuva mesmo forte, acompanhada por queda de granizo. Foi um belo momento, nostálgico, mágico e bastante emocional. Enquanto a água escorria pelas janelas do autocarro, pude fechar-me, como se estivesse outra vez na barriga da mãe, e sentir-me só, mas completamente protegido por uma energia que, provavelmente, não veio de mais lado nenhum do que de mim próprio.
Agora vou descansar, que estou com uma enorme dor de cabeça. Precisamos mesmo de dormir.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Faz agora seis meses, parece que foi ontem. Parece que foi ontem, também, que passava horas a brincar na tua oficina, com pedaços de madeira, a fazer bonequinhos inanimados, mas que muita animação me davam. Parece que foi ontem, que me davas meia maçã amarela, cortada com a tua velha, mas útil navalha. Parece que foi ontem que passava horas a ouvir as tuas histórias, histórias da tua mocidade, história do passado que já não volta.
Cada momento foi precioso, e agora arrependo-me de, por vezes, não te ter dado o devido valor.
Agradeço tudo que contigo e através de ti aprendi.
Não morreste, continuas entre todos nós, que não esquecem um dia da tua existência, do que fizeste, do que fazias.
Não morreste, continuas comigo, que guarda com a maior ternura cada sorriso teu, cada gesto, cada palavra.
Obrigado por tudo.

domingo, 21 de fevereiro de 2010


Hoje sinto. Não quero com isto dizer que é coisa boa, nem que é coisa má. Sentir já é suficiente, mesmo sem qualificar o sentido. Isto faz-me lembrar a poesia de Alberto Caeiro. Não me identifico com tudo o que escreveu, mas a forma como falava das coisas, da natureza, do ser só por ser, isso faz-me sempre esboçar um sorriso, por mais pequeno, ou insignificante que pareça, não o é. A sua poesia leva-me por viagens inimagináveis, viagens essas que não são mais do que eu tentar sentir, à minha maneira, o que escrito está, tentar sentir o calor da tarde de verão, ou a textura duma pedra, ou até mesmo imaginar-me a olhar e a tocar as flores.
A natureza é uma das coisas que mais feliz me faz, talvez pela sua essência etérea, pura, pela sua indiferença à minha existência, não sei, apenas sei que a sinto.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Não seria tão mais fácil se toda a nossa vida fosse um aglomerado de lugares-comuns? Era como se fossemos uma personagem de um filme comercial, no qual o bom da fita nunca morre, por muito que "a morte" lhe surja, ele consegue sempre fugir-lhe, e no fim do filme casa-se com a grande amor da sua vida, que conheceu numa livraria, ou então a fazer compras num supermercado, ou então, ainda pior, esbarraram um contra o outro numa rua qualquer, e ficaram a olhar, um para o outro, durante imenso tempo, e a magia fez-se. Ah! Não podemos excluir o vilão, ou os vilões, se quisermos acrescentar ainda mais "emoção" à coisa, e estes vilões, acabam obviamente castigados, presos ou mortos. Que bonito final. Será que gostava de ter uma história assim? Acho que não, mas uma coisa é certa, há lugares-comuns que adorava experimentar.
Desde pequeno que sonhava em ser alguém. primeiro, como todas as crianças, queria ser Médico, daqueles que salvam a vida aos velhinhos, mais tarde ambicionei ser jardineiro, sabe-se lá por que, eu achava que era perfeito para mim. Cresci e meti-me, que é como quem diz, entrei numa escola de artes. Acredito que encontrei a minha vocação, mas ainda hoje persiste uma dúvida. O que é Ser alguém? Parto do princípio que alguém já o sou, porque sou um ser humano, mas basta ser humano para já sermos algo? Não temos que alcançar algo na vida para fazermos justiça ao nome? Deixar a nossa marca, aquilo que mais tarde, nem que seja um pequeno grupo de pessoa, ou somente familiares, possam recordar com um sorriso nos lábios. Não é isto que é existir?