sexta-feira, 9 de abril de 2010

Estava sentado. Sobre as mãos cansadas pendia uma mochila gasta e suja. A ausência da aliança chamou-me a atenção; a idade já era alguma. Os olhos, que estavam mais fechados que abertos, eram de um verde extremamente simples. Os olhos que estavam mais fechados que abertos, quando abertos estavam, mostravam uma expressão de desanimo, de cansaço, de rotina, de indiferença com o quer que o rodeasse. As alcoviteiras, à esquina, falando provavelmente de tudo menos do que lhes diz respeito, não lhe atraíram a atenção como a mim, que tenta prestar atenção a tudo o que deve e o que não deve. A cabeça pousada no vidro, as feridas da mão, o olhar nada desnorteado mas sem horizonte, provocaram em mim uma reacção que normalmente só me acontece com idosos e crianças. O sentir-me preocupado com alguém que nunca tinha visto, que provavelmente nunca mais voltarei a ver, sentir-me preocupado com alguém que nada me diz, disse ou vai dizer. Deixou-me a pensar no quanto a vida é injusta para quem não se sabe, ou não consegue, ou não pôde se impor. Como o tempo não perdoa.
As lembranças que vou guardando, e que em alguns momentos vou transpondo para aqui e para ali, pintando, desenhando, escrevendo, vão desaparecendo ou tomando novas formas, e essas novas formas, por vezes, aproximam-se mais do que eu queria que tivessem sido do que do que são, foram. O crescente e o decrescente perdem-se, fundem-se, e a verdade fica escondida por detrás de camadas várias. Fico só, mas acompanhado, acompanhado por tudo o que já foi, por tudo o que penso que foi, mas que provavelmente não foi, fico rodeado por tudo que gostaria que tivesse sido. Este é o motivo pelo qual busco fazer tudo o que me é permitido para a minha idade, condição social, económica e política, também influência, que me deixe, um dia mais tarde, que bem pode ser amanhã, feliz com o que sou, com o que fiz, e tendo a certeza que hoje mesmo vou fazer alguma coisa, por mais simples que seja, como comer aquela maçã que me estava a apetecer incompreensivelmente muito, ou mesmo ficar acordado até as dez da manhã por sentir necessidade de sentir o sol, de sentir aquela aragem matinal que tanto adoro, por querer sentir-me vivo. É isso que busco, sentir-me vivo das mais diversas formas, sendo inclusive uma delas observar o estado de alguém, que claramente perdeu o gosto pela vida, permitindo-me assim questionar as razões de eu existir da maneira que existo, pensar da forma que penso, sonhar do modo que sonho, ambicionar como ambiciono.
O que eu não quero é acabar num banco de autocarro, com olhar apagado, triste, sem rumo, sem gostar do que fiz, faço, sem objectivos, sem ambições, desejos, sem qualquer característica que corresponde ao típico ser humano, por que eu apesar de não ser igual a ninguém sou igual a toda a gente, por esse mesmo motivo.

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